Maternidade e a cozinha.

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A maternidade e a cozinha.


Episódio #2
A maternidade, a cozinha e uma receita de sopa cremosa.


Neste episódio falo sobre a forma como a maternidade mudou a minha maneira de cozinhar. A jornada que tive, os standards e as expectativas, a preparação para dar as boas-vindas a um bebé, o stress associado à preparação de refeições, a falta de tempo e o papel que a comunidade pode ter em aliviar a pressão. No final partilho convosco a estrutura de uma sopa cremosa que fica sempre bem.

Para mim, este podcast serve para trazer as boas conversas à mesa, daquelas que temos com os amigos, onde se partilha o bom e o difícil. Onde se brinda aos sucessos e se conversa sobre as dificuldades. Sei de muitas mães que se sentem fora do seu elemento e quero que saibam que não estão sozinhas. Por isso, a minha caixa de e-mail está sempre disponível para começar uma conversa, seja sobre a maternidade ou sobre receitas que aquecem o coração.

Porque as melhores conversas acontecem à mesa, vamos sentar-nos a conversar? Estão convidados e se quiserem tragam um amigo também.

Show notes

A maternidade, a cozinha e a receita para um creme de legumes.

Hoje queria falar convosco sobre a forma como a maternidade mudou a minha forma de cozinhar. A jornada de crescimento que tive, o que eu gostaria de ter tido e como me poderia ter preparado melhor. No final, quero partilhar convosco a estrutura de um creme de legumes que fica sempre delicioso e que é uma óptima receita para ter na manga.

E antes de começar queria apenas deixar uma ressalva: esta é uma experiência muito pessoal e se vocês têm ou tiveram a sorte de ter tido uma rede de apoio que vos apareceu à porta com comida feita, maravilhoso. Todo o apoio nesta fase em que estamos mais frágeis, em adaptação e crescimento, é bem-vindo desde que não venha carregado de julgamento. Se não tivemos esse apoio, podemos sempre ser esse apoio para alguém e oferecer-nos para aparecer e fazer uma sopa.

Queria também dizer, para quem me ouve e que se encontra em fase de espera: à espera de um bebé, à espera de engravidar, à espera de cicatrizar de um aborto espontâneo, é difícil. É incrivelmente difícil e muitas vezes acompanhado de momentos de partir o coração. Mas de uma forma espantosa, o nosso corpo regenera. E na nossa jornada, estes momentos difíceis transformam-nos em pessoas mais resilientes, mais sensíveis, mais capazes. Por isso, se estão nesta fase, podem sempre sonhar, aprender, fazer as pazes com o vosso corpo, partilhar ideias com pessoas que estão na mesma situação e continuar a sonhar com o que vem.

O nascimento de uma mãe

Este mês cruzei-me com um termo primeiro introduzido por uma médica antropologista chamada Dana Raphael em 1973 - que explica como a transformação hormonal pela qual as mulheres passam durante a gravidez, parto e primeiros tempos de vida do bebé se assemelham à montanha russa hormonal e à transformação que passamos pela adolescência - em inglês matrescence. E não é coincidência que matrescence seja parecido com adolescence (adolescência em inglês). Quando nasce um bebé, nasce também uma mãe. Uma transição forte que não é sentida da mesma maneira por todas as mulheres mas que em muitos casos, quer sejam mães biológicas ou mães que adoptam, nos transformam de forma profunda. Enquanto tentamos fazer o melhor que podemos pelos nossos bebés, somos também puxadas pela nossa individualidade que nos lembra que éramos seres humanos que estavam a construir uma carreira, a crescer numa relação, desenvolver hobbies e a precisar de continuar a cuidar de nós próprias. E nesse processo de ambivalência em que somos puxadas e empurradas emocionalmente, vivemos num turbilhão de emoções como fala a investigadora Alexandra Saks no seu Ted Talk.

Standards e expectativas irrealistas

A vinda de um bebé pode deixar as rotinas de pernas para o ar. Principalmente porque enquanto os bebés crescem, os seus tempos também mudam. Quando achamos que estamos a encontrar um ritmo confortável, os bebés ganham novas competências ou capacidades e voltamos a adaptar. Ter expectativas irrealistas de ter sempre a casa limpa, comida na mesa a horas e trabalho em dia enquanto se cuida de um bebé pequeno (ou grande) é quase impossível. E ter a oportunidade de ver isto com clareza é importante para não desabarmos. 

A verdade é que, mesmo para quem gosta de cozinhar e está habituado a cozinhar refeições frescas diariamente, vê-se a recorrer a restaurantes e takeaway para se manter alimentado.

Preparar a cozinha para o primeiro trimestre 

Cerca de um mês antes da nossa filha nascer, comecei a rechear o nosso congelador com comida feita, o mais preparada possível para os dias difíceis em que eu sabia que não teria grande disponibilidade para cozinhar. Planeei cerca de um mês de refeições e bases para poder ter algo de que me valer nesses dias. O que eu não planeei é que teria um bebé velcro que precisava de mim a toda a hora. Não planeei dois anos de privação de sono severa. A verdade é que nunca sabemos que tipo de bebé teremos. Não planeei uma ansiedade de separação que durou quase três meses, na linha do 1º ano de vida dela que me levou a fazer quase todas as refeições apenas com um braço porque tinha o outro a segurar a nossa filha ao colo. Por isso, ter um conjunto de refeições prontas e até um pequeno livro de receitas fáceis que se conseguem fazer com um braço é uma ajuda incrível para estes primeiros tempos.

Pequenas receitas que se conseguem completar com pouco esforço

Ter uma lista de receitas que requerem pouco envolvimento da nossa parte mas que nos ajudam a manter sãs é essencial. Na noite anterior misturar sementes de a chia ou a aveia com líquido (leite de aveia, amêndoa ou semelhante) e deixar no frigorífico. São 2 minutos de preparação e nos dias seguintes temos pequeno-almoço feito. Uma granola que se faz ao fim-de-semana pode ser incorporada em iogurte ou envolvida em tâmaras para umas barritas energéticas. Um frango assado no forno com tubérculos ou hortaliças, um estufado ou uma sopa são receitas que não precisam de muito acompanhamento e que podem providenciar conforto e alimentação quando mais precisamos.

O stress da comida e agradar os outros

Cozinhar para nós próprios pode ser uma experiência libertadora. Experimentar as receitas que queremos sem o receio de não agradarmos às pessoas de casa, arriscar falhar e levar isso com leveza. Mas a verdade é que, com cansaço acumulado, cozinhar torna-se um fardo para muitas pessoas (mulheres e homens que cozinham para a casa). E no final do dia, o que queremos é que toda a gente esteja bem alimentado e de forma equilibrada. A preocupação com a qualidade e variedade da alimentação está no coração de muitos pais e ter filhos pequenos que não comem ou rejeitam comida - principalmente os mais pequenos - torna a ideia de inovar na cozinha algo assustadora. Mas vou vendo que quanto mais limitadas forem as escolhas, mais difícil é que os miúdos e graúdos se habituem a comer coisas diferentes - que por vezes passa até por os mesmos ingredientes cozinhados com especiarias diferentes. Incluir a família na preparação das refeições é sempre uma boa ideia, já que é mais provável que os miúdos experimentem algo que eles próprios ajudaram a fazer.

A falta de tempo para cozinhar

Só depois de ser mãe compreendi verdadeiramente a diferença que faz jantar às 7 ou às 9 da noite. Fazer o jantar com um bebé cansado e com fome ao colo, mexer as panelas enquanto se ajuda a fazer os trabalhos de casa já fora de horas ou chegar a casa tarde para ainda ir fazer o jantar - são cenários muitas vezes avassaladores que nos deixam paralisados. Assumindo que não há ajuda de nenhum outro lado, o planeamento de refeições e pré-preparações durante um dia livre que tenham - que para muitos é o domingo - pode ajudar durante a semana. Saber que vão chegar a casa e já têm a refeição principal preparada e que apenas falta fazer o acompanhamento e uma salada para ter o jantar na mesa é meio caminho andado para reduzir o stress e a pressão.

Os atalhos que custam dinheiro

Para muitas famílias, quando não há tempo para cozinhar, isso custa-nos dinheiro. Tal como falei no primeiro episódio deste podcast, são os dois grandes ingredientes na cozinha: tempo e dinheiro. Seja porque compramos coisas pré-feitas, pré-cortadas ou pré-congeladas. São sem dúvida um produto de conveniência mas têm um custo. Comprar ingredientes da época e prepará-los em casa será a maneira mais económica de abordar esta questão e de trazer mais variedade à nossa alimentação.

O papel da comunidade

Sei que não é comum mas confesso que adorava ver isto acontecer: um conjunto de famílias que trocam jantares ao longo da semana. Eis o conceito que já funciona em algumas comunidades e que acho absolutamente delicioso - quatro ou cinco famílias juntam-se, discutem gostos, alergias e sensibilidades alimentares e orçamento e no final elaboram um plano alimentar que funciona para todos. Cada família fica responsável por um jantar por semana e depois trocam os jantares. Assim, cada família apenas tem que cozinhar uma vez por semana em grande quantidade para distribuir pelos outros e o fardo das refeições é distribuído por todos. 

Mas a verdade é que isto também dá para fazer quando vivemos sozinhos e queremos fazer troca de marmitas com um colega de trabalho. Há quem combine, à semelhança do que as famílias fazem sobre gostos e preferências e alternem semanas. Na prática significa que uma semana eu cozinho duas doses para levar para o trabalho - o mesmo esforço de fazer só para mim - e na semana seguinte o meu colega cozinha para ele e para mim. Acho a ideia absolutamente genial e simples o suficiente para funcionar, desde que haja comunicação saudável entre ambas as partes.

Uma sopa cremosa

Muitas vezes uma sopa é tudo o que precisamos para nos voltarmos a sentir em casa mas nem sempre sabemos por onde começar. Adoro estruturas de receitas que sejam flexíveis e hoje queria partilhar convosco a estrutura para uma sopa cremosa. A maravilha da sopa é que podemos usar vegetais que estejam já com um aspecto triste no frigorífico e que precisam de ser usados.

  1. Gosto sempre de começar num tacho largo e pôr uma cebola ou alho francês, duas cenouras, uma ou duas batatas médias, uma courgete, abóbora ou nabo cortados grosseiramente, um punhado de lentilhas vermelhas e um fio de azeite.

  2. Depois alouro tudo em lume brando até os ingredientes estarem macios e adiciono água quente suficiente para cobrir os ingredientes e só nesta altura adiciono o sal. Tapo e deixo cozer em lume brando até as cenouras estarem tenras.

  3. Com a varinha mágica ou no copo liquidificador trituro tudo até ficar em creme e ajusto a água para ficar na consistência desejada e volta ao lume para ferver. No final adiciono um fio de azeite e tapo. 

Pode-se congelar a sopa?

Não se esqueçam de colocar a sopa em recipientes para doses individuais - já que ajuda a arrefecer mais depressa - e coloquem-na no frigorífico o quanto antes. Podem congelar em doses ou guardar no frigorífico até três dias. Sei de muitas doses de sopa congelada que acabam no lixo porque ao descongelar parece que os sólidos e os líquidos se separaram mas ao descongelar a sopa, esta precisa de ser fervida durante três minutos para voltar à consistência que tinha antes de ser congelada. É um óptimo complemento à refeição ou até uma refeição ligeira por si só acompanhada de uma boa fatia de pão torrado.

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Pôr refeições equilibradas na mesa todos os dias, que respeitem o orçamento e que não nos façam perder a sanidade mental é difícil. Requer organização e requer também que aceitemos que não vai funcionar sempre. Que vai haver refeições em que as coisas não vão correr como queremos ou planeámos. Mas podemos sempre tentar amanhã novamente. E acima de tudo não ter standards impossíveis de atingir, que apenas causam frustração e que nos privam de sentir alegria com algo que correu bem ou de rir quando a fatia de pão queimou na torradeira porque estávamos a cantar a nossa música favorita a plenos pulmões.

Bem, por hoje é tudo. Espero que tenham gostado e não se esqueçam que quero dar voz e incluir-vos nesta conversa, por isso mandem-me as vossas questões em formato de voz para marinaamarinar@gmail.com. Se conhecerem alguém que seria perfeito para eu entrevistar incluam a recomendação também no e-mail!

Se ainda não o fizeram, não se esqueçam de subscrever ao podcast para serem notificados dos novos episódios. Fiquem bem e até breve!